terça-feira, 26 de abril de 2011

#14

      Quem me conhece minimamente bem, sabe que não sou de contar histórias de encantar, tipo aquelas começadas por “Era uma vez...”, nem coisa parecida, mas existem certas histórias que merecem ser contadas...
      Estávamos no mês de Setembro, era o primeiro dia de aulas na cidade, e como é hábito a maioria das crianças estavam entusiasmadas.
      Nesse dia, o que mais se viam eram crianças aos pulos, de mão dada aos pais, ou alguém mais velho, de modo a não fugirem com tanto entusiasmo. Eram às dezenas (se não fossem às centenas) as crianças que se dirigiam exactamente na mesma direcção para o seu primeiro dia de aulas.
     Estava eu, sentado num banco na paragem do autocarro, perto da escola primária a ler o meu livro e à espera do meu transporte matinal para ir para a minha escola.
     Os pais chegavam de carro à escola, deixavam os filhos em passo rápido no portão e voltando para o carro, saindo daquele sitio a uma velocidade estonteante. Talvez estivessem apressados para irem para os seus empregos monótonos e repetitivos.
      Porém, existe sempre um considerável número de crianças que não partilhava o mesmo entusiasmo da larga maioria e corriam para os seus pais a chorar.
       No meio desta euforia toda, encontrava-me eu, juntamente com os meus pensamentos, que ao observar aquelas crianças me lembrava do meu primeiro dia de aulas.
       Desviei um pouco o olhar, onde este recaiu sobre o portão da escola... Estava lá uma pequena rapariga, não devia de ter mais de um metro e vinte centímetros. Tinha um cabelo liso, que reflectia a luz dos raios de sol devido ao seu tom loiro. Os seus cabelos faziam um contraste de forma harmoniosa com aqueles olhos grandes, esverdeados e com a sua pele clara.
       Desviei um pouco mais o olhar, e reparei que a sua mãe lhe acenava um adeus a porta do seu carro, que se encontrava do lado oposto da estrada. Mas a rapariga parecia distante, e o seu olhar não estava la.
       De um segundo para o outro, a rapariga sai numa arrancada louca em direcção à sua mãe, não olhando para a estrada.
       De repente aparece um carro na faixa esquerda da estrada a uma velocidade no mínimo alucinante. Só se ouviu uma travagem, o som de pneus a rasparem no asfalto e por fim um grito que ecoou por uns bom quarenta metros.
       Toda aquela euforia que outrora existiu, desvaneceu-se... Apoderou-se daquele sitio um silêncio tumultuoso. 
       A mãe da menina correu em direcção ao local, onde pegou nela ao colo, esvaída em lágrimas.
       O condutor daquele Mercedes negro ainda tentou fugir, mas um grupo de pais travou-o antes que ele ligasse o carro.
       Uma considerável porção de sangue escorria pelos braços daquela mãe que segurava aquela pequena rapariga nos braços.
       O meu autocarro apareceu.
       Levantei-me mas estava quase que petrificado com aquilo tudo que tinha acabado de ver.
       Tudo isto aconteceu em poucos segundos... Acabei por entrar no autocarro com a chamada do condutor que já me conhece desde miúdo.
       No dia seguinte, quando fui esperar de novo o meu autocarro, ainda tinha bem presente o que tinha acontecido quase vinte e quatro horas antes.
       No vidro da paragem já estava exposta a foto daquela rapariga.
       Para mim e complicado entender como é que a vida pode dar assim uma volta de 180º em tão pouco tempo. 
       Sim, é estranho e difícil de compreender, mas a vida tem destas coisas.
       Fiquei ali durante uns longos minutos a observar aquele papel, enquanto esperava o autocarro...
                                                                        A rapariga chamava-se Estela Sofia...

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